Agora virei mendigo!

Mais um dia de rotina. Faculdade, estágio e trabalho. É impressionante como nas ruas se aprende, nas ruas temos as melhores oportunidades de reflexão sobre as mazelas da vida. Foi no ponto de ônibus que aprendi um pouco mais sobre o país que vivo. Uma pessoa que normalmente ninguém ouviria que definiu para mim a atual condição conflitante e desesperante do Estado.
Ele vinha chorando, rosto sofrido, tensão no olhar. Negro, alto, com seus 35 anos e muita revolta ele escolheu a mim dentre os demais “aguardantes” dos meios de transportes urbanos, vulgo ônibus, para desabafar a dor que sentia:
- Agora virei mendigo! - Foi com esta frase impactante que ele iniciou o monólogo, pois eu me limitei a apenas ouvir o que ele dizia de tão assustada. Atualmente esse comportamento é esperado por qualquer um devido ao alto índice de violência no Rio.
E continuou a falar:
- Vê se pode? Eu, trabalhador honesto, estava vendendo minhas mercadorias e a Guarda Municipal me levou tudo! Meu meio de sobrevivência, levaram tudo... – com um gesto ele levou as mãos a cabeça, parecia estar perdido, sem rumo.
E continuou:
- Se eu não fosse honesto, eu podia ir lá na favela, e virar bandido... Deus que me perdoe! Eu tenho uma filha para criar, não queria fazer isso... mas agora eu vou passar a roubar! Olha aqui minhas mãos? Elas são limpas, mas não serão mais, porque não querem me deixar trabalhar... E sabe quem são os maiores prejudicados? São vocês. Os bandidos vem assaltam vocês que não tem nada com isso...
Nesta hora o meu ônibus chegou e eu tive que ir embora. O homem seguiu pela rua meio desnorteado, da janela do ônibus eu o vi caminhando olhando para longe. Ele não queria assaltar, ele só precisava desabafar a falta de oportunidade, o sol que não brilhou para ele.
No ônibus segui pensando sobre o ocorrido e cheguei à conclusão que em resumo o que ele disse é que o Estado não o deu oportunidade. Não era um homem culto, logo não teve oportunidade de educação. Estava desempregado, logo o Estado não estava facilitando a inclusão dele no mercado de trabalho. Por causa dos altos índices de desemprego surgiu o mercado informal, criado pelo não posicionamento do Estado em desenvolver políticas criadoras de emprego, e este homem viu neste segmento uma oportunidade de se sustentar e sustentar sua família e, de repente, o próprio criador do mercado informal o reprime. E por este motivo este homem talvez vire um assaltante. Ou seja, o Estado também alimenta a violência, a insegurança pública. Estamos no meio de uma bola de neve!
Não levo em consideração a veracidade do discurso do homem, nem se ele vendia produtos piratas. Não estou fazendo apologia ao crime e muito menos incentivando o mercado informal. Mas se o Estado cumprisse seu papel de facilitador, se a democratização das infraestruturas de base funcionasse com boa qualidade, talvez não estivéssemos discutindo este assunto. A mensagem que esse homem PASSOU, ignorante sim, mas um homem que sente na pele a marginalização, foi muito importante.
Na sociedade contemporânea nós fazemos questão de nos isolar em nossos condomínios, em nossas casas, como se este país não fosse nosso. Nos revoltamos em casa, sentados na poltrona, na frente da TV, mas sequer nos levantamos para mostrar ao Estado o que queremos, o que pensamos ou mesmo que não estamos satisfeitos. O individualismo é egoísta, e nós estamos sendo egoístas com nós mesmos a partir do momento que nos calamos frente ao que acontece debaixo do nosso nariz. Aceitamos sermos assaltados sem processar o Estado que deveria garantir a nossa segurança. Aceitamos calados passar horas em filas de hospitais públicos lotados sem reclamar o nosso direito à saúde. Abaixamos a cabeça para o péssimo ensino das escolas públicas, afinal de que serve o futuro dos nossos filhos? Eles podem ser jogadores de futebol ou modelos. Os não aptos a essas profissões talvez nem merecessem viver! A voz do povo se calou e consentiu que as coisas ficassem como estão. Será que ainda dá para melhorar?
Falamos mais com os que estão distantes e importamos cultura, comportamento de fora daqui. Estamos felizes em sermos imitativos, em sermos modernos sem nos modernizarmos. O importante é ser global, é estar globalizado, sem necessariamente sê-lo de verdade. Aderimos à política da globalização somente para não ficar de fora, não estávamos preparados para tanto. Porque o Brasil deveria ficar de fora? Os países vencedores são globalizados! Nós também temos que ser, pois a globalização veio para salvar o mundo, e os problemas primários da sociedade são deixados de lado. Não! A globalização não a solução para o mundo. Se quisermos ser parte desse infinito todo temos antes que aprender a ser um todo. Vamos buscar lá fora o que realmente vale a pena, coisas que as gerações não vão levar... Vamos importar a garra do povo francês que ainda milita nas ruas, vamos importar a vontade de investir em pesquisas de Cuba, vamos importar a inteligência do povo Japonês e a liberdade de expressão de Londres. Subamos todos num banquinho, tiremos nossos pés do nosso solo para analisarmos nossa condição de outro ângulo, e falemos mal do que não gostamos aqui, afinal esse país chamado Brasil é nosso!